De manhã cedo acordamos dentro do ônibus. No cenário, fazendas com muito campo e criação de bovinos e aquela serração fina, lembrou muito o interior aqui do Rio Grande do Sul, ainda mais quando o motorista começou a tocar no rádio do ônibus músicas típicas paisas, que são muito parecidas com as músicas gauchescas. Na única parada que o ônibus fez no caminho, para o café, sentimos a mudança drástica de clima: do calorão infernal de Cartagena para um friozinho de serra.
Paisagem do interior da Antioquia, lembra muito o interior do Rio Grande do Sul
Aliás, Medellín (para os colombianos se lê "Medejin") é conhecida como a cidade da eterna primavera. Por se localizar num vale, o clima de Medellin é sempre agradável, nem muito quente e nem muito frio. Entretanto, com a mudança de clima somada à noite no ar condicionado à milhão dentro do ônibus, acabei destruindo minha garganta.
Chegamos em Medellin passando as 8 horas da manhã, no terminal Norte. Medellin possui dois terminais rodoviários, o sul e o norte e, embora todos os ônibus que vem de Cartagena desembarquem no terminal Norte, é bom sempre verificar antes de comprar a sua passagem. O terminal norte é muito mais "prático" de se desembarcar, possui uma estação de metrô praticamente dentro dele, enquanto o sul fica mais afastado, tendo que pegar ônibus para se locomover de lá.
O terminal de ônibus norte de Medellin é bem grande, com muitas lojas e parece ser bem organizado. No dia que desembarcamos, um domingo, estava tendo uma aula de ginástica comunitária para idosos bem no centro dele, muito interessante.
Fomos então em direção à estação de metrô de superfície que fica praticamente dentro do terminal rodoviário, a estação "Caribe" e, de cara, já nos impressionamos com a modernidade desse meio de transporte, uma das várias iniciativas responsáveis por transformar Medellin de cidade mais violenta do mundo até o posto de cidade mais inovadora.
Medellin é uma cidade bastante "simétrica". Fica rodeada por morros nos seus quatro cantos e bem no centro, cortando a cidade de Norte a Sul fica o Rio Medellin. O espaço às margens do rio foi aproveitado para se construir o moderno metrô de superfície de Medellin, que acaba dessa forma cruzando o centro da cidade de Norte a Sul, sendo complementado pela linha 2 do metrô que cruza a cidade horizontalmente. Além disso, o metrô é alimentado por diversas linhas de ônibus, ciclovias, trens elétricos de calçada e teleféricos, que alcançam os bairros mais afastados e morros da cidade. Tudo por um único bilhete de transporte de, na época, 2.600 COPs, fazendo de Medellin um exemplo de mobilidade urbana na América do Sul.
Fomos em direção à estação San Antonio, estação central e principal de Medellin, onde pode-se fazer a transferência para a linha 2 do metrô. É nesta estação também que fica o centro de atendimento ao cliente, onde é possível para qualquer um, nacional ou estrangeiro, mediante a entrega de alguns documentos, fazer o "Cívica Card", cartão recarregável que permite acesso a todo os meios de transporte público da cidade. Infelizmente, como esse dia era um domingo e no dia seguinte seria um feriado, acabamos não conseguindo fazer o nosso, mas é bastante importante fazer para quem vai utilizar o transporte público diariamente, especialmente em dias de semana, fugindo assim das filas para comprar bilhete nas estações.
Pegando a linha 2 do metrô, chegamos rapidinho então à nossa estação: "Estadio" e em menos de 50 metros já estávamos no nosso hostel.
O hostel que ficamos em Medellin foi o Paisa City Hostel, que infelizmente não existe mais, mas tem vários ali próximos que devem ser tão bons quanto. Escolhemos ele, além do preço e das ótimas avaliações do booking, pelos seguintes motivos: primeiro porque ele fica ao lado do Estádio de Futebol do Nacional de Medellin, o Estádio Atanásio Girardot,
estádio histórico tanto para o Grêmio (campeão da libertadores em 1995 lá) quanto para a Chapecoense (seria o palco da final da Sulamericana antes do desastre aéreo que acabou vitimando fatalmente todo o time e comissão técnica da Chapecoense). Local onde ocorreu uma das maiores demonstrações de solidariedade da história do futebol mundial, quando os torcedores do Nacional, mesmo com o jogo com a Chapecoense obviamente cancelado, lotaram o estádio no horário destinado à partida, todos de branco e prestaram uma linda homenagem ao time catarinense, além de entregar a taça de campeão para a Chape.
Mais do que ter a chance de conhecer esse Estádio histórico, iria poder acompanhar um jogo lá! Visto que na terça-feira iria ter um jogo da libertadores entre Nacional x Estudiantes, da Argentina. Então ficar perto e poder ir e voltar a pé do estádio era uma questão estratégica! Além disso, como já mencionado, o hostel ficava a 50 metros da estação de metrô, permitindo acessar qualquer parte da cidade tranquilamente.
Cansados da viagem noturna, chegamos e já fomos recebidos no portão pelo nosso anfitrião, o simpático cachorrinho Rhu! Um cachorrinho que perambulava pelo hostel o dia todo, entrando nos quartos, subindo nas camas, roubando meias... não parava um minuto! Muito sapeca!
Além do Rhu fomos recebidos também por um americano falando com a gente em inglês que fez questão de exaltar que aquele era um "party hostel", que rolava muita festa e rolava diariamente o "happy hour" a cada duas ou três horas, onde as bebidas ficavam temporariamente pela metade do preço. Na hora pensamos: não vamos conseguir relaxar um segundo nesse lugar... além de ter de aguentar um monte de gringos bêbados. Mas não! Pessoal do hostel era bem legal, as festas não eram "loucurada" e nos quartos que ficavam no andar de cima (onde ficamos) nem se ouvia barulho nenhum. Outra coisa que nos preocupou era que só tinha um banheiro individual para todos os hóspedes, pensamos que ia ser um stress para encontrar ele vazio mas não, não chegamos a pegar nenhum dia "fila" pra usar. No fim toda a estadia no hostel foi muito boa! A única coisa ruim do hostel é que não permitia trazer bebidas alcoólicas de fora, só consumir as do bar lá.
Como ainda não era hora de fazer o check in, largamos nossas mochilas no hostel e já fomos conhecer a região, indo até a bilheteria do Estádio para comprar nossos ingressos. Ficamos boquiabertos quando descobrimos que o Estádio Atanásio Girardot fica dentro de um complexo esportivo público gigantesco, que possui quadras de diversos esportes (baseball, rugbi, tenis, etc), ginásios de lutas, ginástica olímpica, entre outros, e até piscinas e um velódromo, tudo de alta qualidade, coisa de primeiro mundo mesmo!
Estádio Atanásio Giradot e o impressionante complexo esportivo em sua volta
Impressionados com a qualidade das instalações, como era cedo, demos uma boa volta em todo o complexo e vimos muitas pessoas de todas as idades praticando todo tipo de esporte. Muitos também só utilizando o local para caminhadas ou para andar de bicicleta, já que o lugar é bastante agradável para passear. Também aproveitamos para fazer nosso café da manhã por ali mesmo, comendo umas empanadas argentinas muito boas a 2.000 COPs nas diversas barraquinhas de comida que tem por ali (essas bem furrecas mesmo). Por fim, compramos nossos ingressos na bilheteria para o jogo de terça-feira sem dificuldades. Perguntei para o carinha do guichê qual era o lugar mais legal de assistir e ele sem hesitar nos vendeu o ingresso para trás do gol junto à fanática torcida organizada do Nacional. O ingresso custou apenas 25.000 COPs! (equivalente à 25 reais na época), coisa inimaginável pra um jogo de libertadores no Brasil, onde depois da elitização dos estádios após a Copa do Mundo, sem ter carteira de estudante, não se consegue um ingresso para um jogo desses por menos de 90 reais.
Se aproximando da hora do check in, voltamos pro hostel. Nos instalamos no quarto para 8 pessoas e saímos procurar um lugar para almoçar. A avenida onde fica o hostel é bem residencial, atravessada por um riachinho onde passa por cima a linha 2 do metrô aéreo, com ciclovias e pontes para atravessar (um pouco mal cuidadas é verdade).
Ciclovias em frente ao hostel, meio mal cuidadas mas ainda assim em melhores condições que as aqui de Porto Alegre
No entanto, bem na esquina em direção à estação de metrô, fica a Carrera 70, uma avenida bem movimentada da cidade com milhares de opções de bares, lanchonetes e baladas, bastante utilizada como opção para curtir a noite de Medellin (mas que infelizmente não tinha nenhum mercadinho).
Aliás, uma curiosidade não só em Medellin mas em toda a Colômbia (e não sei se nos outros países latinos também): as ruas que ficam na horizontal, indo da ponta leste para oeste (na latitude), são chamadas de Calles, enquanto as que ficam na vertical, indo da ponta norte para a sul (na longitude), são chamadas de Carreras.
Seguimos então pela Carrera 70 procurar uma lancheria pra almoçar e matamos um pouco a saudade de fast food comendo um Xis com fritas.
Já almoçados, finalmente voltamos pro hostel pra descansar um pouco da viagem noturna. Lá pelo meio da tarde então, fomos conhecer a cidade. Aos domingos, uma região muito frequentada pelos locais fica em volta da estação de metrô Universidade. Por ali fica a Universidad de Antioquia, o Parque de los deseos, Parque Explora, o Jardim Botânico de Medellin e o Shopping Bosque Plaza. Com atrações para todo o tipo de público, foi pra lá que nós rumamos.
Já na descida da estação, tem-se uma bonita vista dos modernos parque Explora e Jardim Botânico com os característicos morros que envolvem Medellin ao fundo.
Bonita vista do Parque Explora e do Jardim Botânico de Medellin com os característicos morros da cidade ao fundo
Primeiro seguimos em direção ao Parque Explora. Este parque, assim como esta região inteira, faz parte das iniciativas que tornaram Medellin a cidade mais inovadora do mundo em 2013. É tipo um museu de ciência e tecnologia, assim como existem em várias capitais brasileiras, misturado com parque de diversões, sendo que todas as atrações são educativas. Já na entrada tem algumas atividades pra tu fazer, todas ligadas à física, matemática ou astronomia e todas com um texto explicativo ligando a brincadeira à teoria, assim como um mirante pra observar a cidade e uma lojinha de souvenires muito legal, com várias camisetas e produtos educativos (mas caros)!
Parque Explora
Não chegamos a entrar para conhecer por dentro porque este é um passeio de dia inteiro e, infelizmente, nosso pouco tempo na cidade não nos permitiu, mas é um dos passeios imperdíveis para se fazer em Medellín. O mesmo pode-se dizer do Jardim Botânico, só na entrada dele, uma edificação que lembra Niemeyer, possui diversas obras de arte expostas que, também por falta de tempo, não conseguimos conhecer. Definitivamente, Medellín é uma cidade para se passar bastante tempo e visitar sem pressa!
Depois do Parque Explora, fomos visitar o Parque de los Deseos, outro símbolo da Medellín moderna.
Fundado em 2003 pela prefeitura de Medellín tendo como tema o universo, o parque teve como objetivo, além de se tornar um lugar lúdico de interação e de descanso, se tornar um lugar de encontro cultural, visto que dentro dele se encontram a Casa de Música de Medellín, espaço público para realização de oficinas e ensaios para músicos e dançarinos de diversos estilos da cidade, além do prédio do planetário.
No parque em si, diversas atrações que, assim como no Parque Explora, são todas com algum fundo educativo, perfeito para as crianças brincarem e aprenderem sobre astronomia e os elementos da natureza, como por exemplo o telefone sem fio feito com duas construções côncavas uma em cada ponta do playground que permite a duas pessoas se comunicarem uma com a outra à distância, relógio solar, entre outras atrações, além de um local super limpo e organizado. Durante a semana inclusive, o parque conta com voluntários credenciados que auxiliam os visitantes a fazerem um "circuito" de forma gratuita, passando por todas as atrações interativas do parque, que são 8 no total.
Atrações do Parque de los Deseos
Se já estávamos embasbacados com o complexo esportivo público que fica em volta do Estádio, nem preciso dizer o quanto ficamos impressionados por existir um parque assim. Uma ideia tão simples mas tão importante para uma cidade, principalmente para os jovens. O parque é ainda um espaço aonde ocorrem diversas apresentações artísticas e, toda terça e domingo às 19 horas é projetado um filme num telão para o pessoal assistir gratuitamente ao ar livre, mais um motivo que escolhemos para vir visitá-lo num domingo.
Esperando o horário da sessão, fomos dar mais uma volta ao redor do parque. Aos domingos a rua ao lado (Calle 73) fica fechada para uma feirinha de artesanato e comidas de rua. Achamos muito legal que as barraquinhas de rua tinham uma grande variedade de comidas: empanadas, cachorro-quentes, milho, raspadinhas, arepas, frutas, entre outros diversos pratos. Bem diferente do Brasil (pelo menos em Porto Alegre), onde as barraquinhas nos parques ou vendem churros ou pipoca, parece não haver outra alternativa.
Depois de dar uma passeada na feira, paramos próximo à entrada do metrô para assistir uma bandinha marcial de jovens que estavam ensaiando e uns outros que estavam ensaiando coreografias de dança, ambos muito talentosos, com várias famílias assistindo, num clima muito agradável. Também fomos dar uma conferida no shopping grande que tem ali, que nesse dia tava tendo na entrada uma exposição de animais de fazenda (ovelhas, cabritos, porcos, vacas, lhamas) bem bizarro.
Gurizada ensaiando e exposição de animais em frente ao Shopping
Chegada a hora do filminho, pegamos umas águilas no supermercado dentro do Shopping e nos acomodamos no meio da galera pra assistir a sessão. O filme é projetado na parede do prédio do planetário, e sempre é um filme bem familiar. Neste dia estava rolando o desenho clássico da Disney, o "Cão e a Raposa", com uma dublagem em espanhol horrorosa.
Sessão de cinema ao ar livre (pena que nossa câmera à noite é muito ruim)
E foi ali, assistindo um filme numa praça pública junto com um monte de gente e tomando uma cervejinha que percebemos que já estávamos apaixonados por Medellín. Que cidade incrível! Era pra ser uma coisa óbvia, o fato de como o investimento em arte, cultura, esporte e mobilidade tem o poder de transformar uma cidade. Medellín deveria ser um exemplo a ser seguido na América Latina, ainda mais se tratando de Brasil, país que ainda tem a mentalidade deturpada de que violência urbana se combate com mais violência policial.
O filme estava bom mas, como passaríamos somente 3 noites em Medellín, sendo que uma delas seria uma segunda-feira feriado e a outra iriamos assistir o jogo do Nacional, o dia, ou melhor, a noite, para conhecer o bairro boêmio da cidade, o "El Poblado", era esta. Seguimos então de metrô em direção à estação Poblado. Agora à noite, do alto da estação de metrô, vislumbramos outra característica marcante e cartão postal do cenário urbano de Medellín, os morros todos iluminados com as luzes das casas nos bairros que ficam em suas encostas ao fundo no horizonte, parecendo uma constelação.
Morros iluminados ao fundo, um dos cartões postais de Medellín
O "point", onde ocorre o melhor da noite na cidade, algo como a Lapa é para o Rio de Janeiro, fica na região em torno do Parque Lleras, no bairro Poblado. Para se chegar lá da estação de metrô mais próxima, a estação Poblado, tem que se caminhar por um pouco mais de 1 km seguindo a Calle 10. Apesar de ser um caminho considerável, ainda mais a noite, pelo menos no dia que fomos estava bem seguro de caminhar, com bastante gente seguindo pelo mesmo caminho, todos indo em direção ao Poblado para curtir a noite. Na própria Calle 10 no caminho, ficam diversos mercadinhos e bares e já aproveitamos para ir "se gelando" pelo caminho.
Chegando no parque, esse na verdade se trata de uma pequena praça, muito bem cuidada por sinal, rodeada por bares e casas noturnas de diversos tipos (mas todas tocando Reggaeton) onde o pessoal se reúne para curtir com os amigos antes da balada, embora na praça em si seja proibido consumir bebidas alcóolicas e isso seja muito bem fiscalizado por vários policiais que ficam em volta da praça. Talvez (com certeza) seja exatamente esse o motivo da praça se encontrar bem conservada. É um lugar que vale a pena visitar de dia também pois possui uns jardins bem bonitos com várias espécies de plantas.
Não sei se por tratar-se de um domingo (embora na segunda fosse feriado), ou pelo horário ser muito cedo, mas a região não estava com muito movimento como dizem que tem sempre por lá.
Parque Lleras
Não estávamos muito a fim de entrar em nenhum bar ou balada pra ficar ouvindo Reggaeton em looping, até porque a maioria dos lugares pareciam ser meio elitizados demais, mas encontramos um mercadinho em frente à praça que estava bem cheio, com pessoal pegando as garrafas de litrão e tomando cerveja no cordão da calçada mesmo, bem mais nossa cara. Fomos então conferir e, quando vimos que o mercadinho vendia o litrão de águila à 3.000 COPs (na época o equivalente à 3 reais!), não deu outra, por esse preço, fomos obrigados a nos instalar por ali mesmo e tomar umas duas ou dez garrafas.
Litrão à 3 reais! Quando na vida?
Não querendo ter que pegar táxi ou uber, quando se aproximou da meia-noite então, resolvemos começar a rumar para o metrô para ver se conseguíamos pegar o último trem, que, conforme havíamos nos informado, saía à meia-noite. Apesar da segurança pública de Medellin ter melhorado infinitamente em comparação com a época do Pablo Escobar, como toda cidade grande da América Latina, não é muito recomendado ficar andando tarde da noite pela rua, mas, assim como no caminho de ida até a estação, a volta também achamos bem tranquila. No próprio metrô também, tinha bastante gente, muitos trabalhadores voltando para suas casas naquela hora. Inclusive os próprios funcionários da estação, já que demos sorte e conseguimos pegar justamente o último trem!
Da nossa estação até o hostel, só alguns metrôs já estávamos lá. Apesar de ser um "party hostel", descobrimos também que, tirando sexta e sábado, o bar fecha a meia-noite, então já não tinha mais nenhum movimento no hostel junto ao bar.
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