Hermanus é uma pequena cidade costeira de 17 quilômetros quadrados que vive em função das baleias. Acontece que é considerado um dos melhores locais para se avistar baleias no inverno, visto que as suas águas são muito frias, acabando por ser um ponto de peregrinação de baleias da Antártida. Por causa disso, mesmo sendo uma cidade de praia, Hermanus é considerado um destino de inverno. E há esculturas de baleias por todos os lados, lojas com nome de baleias e inclusive no inverno ocorre um famoso festival em homenagem às baleias.
Também por ser uma cidade muito pacata, é uma das cidades mais escolhidas pelos sul africanos aposentados, tendo uma população com faixa etária bastante elevada.
Infelizmente, o período para observar baleias vai até final de outubro, o que não era nosso caso e, como nossa programação era neste dia ir até Mossel Bay passando por Cape Agulhas, um trajeto de 420 quilômetros e sabendo da nossa lerdeza no volante, não querendo ficar mais um dia na estrada e acabar não aproveitando a cidade, resolvemos partir bem cedo já direto para Cape Agulhas, deixando para conhecer Hermanus numa outra oportunidade. Para quem for a Hermanus (com tempo), aqui deixo uma lista de atrações da cidade:
Observar baleias (principal atração da cidade!), entre os meses de junho e novembro;
Visitar o Old Harbour Museum;
Andar de caiaque em Walker Bay, uma reserva natural;
Fazer uma das diversas trilhas nos morros que costeiam o mar, com diversos pontos para se observar baleias, sendo a principal trilha a Hermanus Cliff Trail;
Aproveitar as praias principais da cidade: Grotto e Voelklip (só curtir a praia, tomar banho de mar é só para os fortes devido à água congelante); e
Fazer o "Shark Cage", mergulhando numa jaula num mar infestado de tubarões.
O Shark Cage é o principal passeio buscado por turistas na região. Na verdade esse mergulho ocorre em Gansbaai, próxima cidade costeira do caminho, mas a maioria dos passeios partem de Hermanus mesmo, cidade mais turística. Funciona da seguinte forma: você embarca num barquinho que te leva a uma região do oceano que é conhecida por possuir muitos tubarões grandes, daí você é mergulhado dentro duma jaula e os guias ficam jogando carne pros tubarões para eles se aproximarem e ficarem a centímetros dos turistas, simulando como se você estivesse prestes a ser devorado pelos tubarões.
Além de não curtir muito esse turismo que explora os animais, lembro que o preço era meio exorbitante para os nossos padrões, algo em torno de 250 reais por pessoa! O que fez com que nem pensássemos em fazer esse passeio (talvez um pouquinho de curiosidade só...).
Fizemos o Check-out no hostel então bem cedo, deixando para tomar café na cidade. Passamos pelo centrinho de Hermanus mas não tinha quase nada aberto ainda e o que tinha era meio metido a besta e não nos deu vontade de parar. Hermanus, assim como praticamente todas as cidades da Garden Route, à despeito de sua natureza exuberante, são cidadezinhas bem "sem alma". São todas ajeitadinhas, ruas limpíssimas com casinhas de madeira todas parecidas, estabelecimentos comerciais elitizados, parecem cidades cenográficas, criadas para o turista. Ainda por cima tentam simular um clima meio "europeu", naquele euro centrismo típico de países colonizados. Não tivemos aquela "química" com as cidades, embora repita, em questão de belezas naturais, são sensacionais e valem muito a pena conhecer.
Sendo assim, começamos a viagem de barriga vazia, o que certamente deve ter contribuído para os eventos que viriam a seguir. Seguimos então em direção à Cape Agulhas, aí sim porção de terra mais ao sul de todo o continente africano. Cape Agulhas, apesar de seu simbolismo, não faz parte da Garden Route. Para chegar lá pega-se um desvio bem grande da Rodovia N2, o que nos permite passar por diversos lugares bem isolados. Um desses lugares é a cidadezinha de Elim, que parecia um vilarejo medieval, com poucas casinhas de teto de palha e no final da única rua da cidade uma igreja sinistra. Com poucas pessoas na rua então, parecia cenário daqueles filmes de terror estilo Massacre da Serra Elétrica, muito macabro!
Cidadezinha de Elim
À partir dali, acaba o asfalto e começa uma estrada de terra, por um trecho bastante extenso também. Só que, assim como as estradas asfaltadas da África do Sul, as estradas de chão batido também são muito boas e, com fome e querendo chegar logo no nosso destino para não perder o dia na estrada, se sentimos confiantes para botar 80 km/h no nosso carrinho 1.0 numa estrada de chão. Não precisa ser muito inteligente para saber o que aconteceu logo depois: A Juju, que estava no volante, de repente se vira para mim rindo de nervosa: "perdi o controle do carro!". Em questão de milésimos de segundos, terraplanamos, rodopiamos na pista e só paramos porque o acostamento contava com uma grama bem alta e fechada, o que acabou por segurar o carro e evitou que capotássemos ou coisa pior. Com o carro finalmente parado no meio do matagal, vimos que o pior tinha passado e percebemos que demos muita sorte de que nada mais grave tivesse acontecido conosco e nem com o carro, para piorar numa estrada no meio do nada que parecia que não via um carro a horas. Como o acostamento em que o carro atolou não era muito íngreme, consegui empurrar o carro sozinho para desatolarmos e seguimos viagem ainda muito nervosos, e agora torcendo para que nada de mais grave tivesse acontecido com o carro que fizesse com que tivéssemos que parar no meio daquela estrada novamente.
Já no asfalto novamente, bem próximo já de Cape Agulhas, paramos num posto para conferir o estrago. Notamos que o Kia possui um protetor interno do paralamas dianteiro. Do lado onde o carro travou na grama, simplesmente não tinha mais, nem vestígio dele. Vimos também que o paralamas ficou com um parafuso solto e com um pequeno arranhão na lataria do lado de fora. Além é claro, das rodas deste lado do carro terem sido tomadas por terra e grama que ficaram encrunhadas entre as rodas e os pneus, mas isso uma lavagem resolveria. Enfim, aparentemente o saldo do acidente resultou apenas em questões "estéticas", nenhum problema mecânico que impedisse o restante da viagem. Ufa! Menos mal! Mas para nós, que viajamos com o orçamento apertado sempre, gerou uma certa apreensão sobre quanto iriamos ter que desembolsar no fim da viagem para cobrir os estragos e, se o incidente não foi uma coisa que estragou nossa viagem, com certeza prejudicou um pouco nossa moral pro restante dela.
Voltando então, chegamos finalmente em Cape Agulhas, o ponto mais ao sul do continente africano.
Cape Agulhas leva esse nome pois neste ponto do globo, a declinação magnética é nula, fazendo com que a agulha das bússolas dos navegadores "pirasse". Como o primeiro navegador que chegou nesse ponto foi Bartolomeu Dias, ficou esse nome em português mesmo que é mantido até hoje: Cape Agulhas.
Essa região do oceano é considerada uma das mais perigosas para a navegação pois, além da dificuldade geográfica da bussola, possui ventos fortíssimos no inverno resultante do encontro das águas com as correntes marítimas da Antártida, que gera ondas gigantescas capazes de afundar até mesmo embarcações grandes.
Cape Agulhas também é considerado o local onde acaba o Oceano Atlântico e se inicia o Índico. Há uma placa que identifica o que seria o local exato da divisão dos dois oceanos que é a principal atração turística do local, já que, diferentemente do vizinho Cabo da Boa Esperança, Cape Agulhas não possui grandes atrativos, tratando-se apenas de uma praia pedregosa no meio do nada, mas de qualquer forma bastante bonita.
Ponto que separa o Oceano Índico do Oceano Atlântico
Bem desanimados por causa do acidente com o carro, ficamos um tempinho contemplando o local em silêncio e depois já partimos em direção à Mossel Bay, nem se animamos a ir até o farol, uma das poucas edificações que tem por lá (mas que também dizem que não tem nada demais).
Pensando no prejuízo que iriamos ter no final da viagem...
Percorremos ainda 240 quilômetros até chegar a cidade de Mossel Bay, dessa vez tratando de ir beeeem devagar nas estradas de chão batido. Mossel Bay sim é considerada a cidade onde inicia oficialmente a Garden Route. Passando de carro, a cidade parece uma cópia de Hermanus, inclusive olhando as fotos depois, é difícil distinguir uma da outra hehehehe. No entanto, Mossel Bay é considerada uma cidade "grande" em relação a anterior.
Fomos direto para o nosso hostel e pudemos ver que se trata de uma cidade grande mesmo pois passamos no meio de uma favela no caminho. Como cidade "grande" também, havia mais opções de hostels (três), mas um que nos chamou especial atenção foi o Santos Express, não por ter as melhores avaliações no booking nem o preço mais baixo e nem uma localização próxima do centro, mas simplesmente por que trata-se de um trem desativado à beira do mar, genial! Existe uma linha férrea desativada a beira do mar na costa leste de Mossel Bay e, dentro de um trem parado nestes trilhos, resolveram fazer um hotel utilizando os vagões como quartos, todos com vista para o mar, muito legal! Traímos então nossos critérios de seleção de hostel só para ter essa experiência.
Chegamos lá no meio da tarde, guardamos nossas coisas no nosso quarto vagão e já fomos conferir o restaurante do hotel, que fica num sacadão na beira da praia, muito convidativo. Com preços mais caros que o normal mas ainda assim atrativos para o padrão brasileiro, almoçamos ali mesmo um Bobotie e um peixe grelhado. O Bobotie, diferentemente do primeiro que havíamos comido na viagem, ao invés de coco ralado, vinha com uma geleia de frutas como acompanhamento. Achamos bem bom, melhor ainda que o anterior. Aproveitamos também para tomar uns chopes para ver se aliviava o stress do começo do dia.
Nosso almoço no restaurante do hotel Santos Express e a bela vista do lugar
Com um pouco de receio ainda de ficar andando com o carro batido e ir até a cidade, depois do almoço tomamos um banho e demos uma boa descansada no nosso quarto. Um dos pontos negativos do hotel era o banheiro, literalmente um banheiro de trem mesmo...
Vista do nosso "quarto"
No fim da tarde sim, fomos dar uma caminhada na bonita praia em frente ao hotel, a Santos Beach. Apesar do tempo nublado, havia bastante gente fazendo um Braai na praia, o estranho (pra nós) é que como é proibido beber bebidas alcoólicas nas praias na África do Sul, víamos o pessoal tudo fazendo seus churrasquinhos "no seco", sem uma cervejinha sequer.
Santos Beach
Caminhando mais ao norte passamos por um lugar bem característico dessa praia que é o Pavilion Restaurant/ Jackal on the Beach, um restaurante que fica num prédio bem esquisito na beira da praia, que parece que foi construído a alguns séculos atrás, uma arquitetura bem interessante, mas no dia que estávamos lá estava fechado, num primeiro momento até pensamos que se tratava de um lugar abandonado.
Fomos caminhando de uma ponta a outra da praia, aproveitamos para molhar os pés no gelado oceano índico e, ao cair da noite, fomos retornando pro hotel.
À noite, demos mais uma volta na praia e antes de ir dormir, jantamos novamente no restaurante do hotel trem. Dessa vez pedimos duas porções de frituras: uma de camarão e a outra uma que até hoje ficou marcado no nosso paladar: Jalapeños empanados fritos recheados com queijo! Não só pela delícia que era mas pela ardência também hehehe. Quando vimos o pratinho pequeno, achamos que íamos passar fome mas depois que experimentamos o primeiro... tivemos que tomar umas Black Labels a mais para conseguir apagar o fogo na boca.
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